Antônio Carlos Sobral Sousa*
O
ato médico está embasado em dois pilares, o intelectivo, incapaz de ser
padronizado, porque depende da capacidade cognitiva do profissional na tomada
da decisão e o técnico que depende da formação, aperfeiçoamento e atualizações,
podendo, portanto, ser regulado por diretrizes de prática clínica.
Estas
constituem ferramenta importante, especialmente em uma área tão complexa e em rápida
mudança como a da Covid-19, objetivando aperfeiçoar a qualidade do atendimento,
baseada na melhor evidência disponível e reduzir a disparidade de condutas para
o mesmo tipo de situação clínica.
A variante Ômicron do SARS-Cov-2, dotada de uma capacidade de
transmissão incomparavelmente superior às demais, se alastrou, rapidamente,
pelo território brasileiro, favorecida, sobretudo, pelo evidente relaxamento
das medidas protetoras. Apesar de a maioria dos contaminados exibir sintomas
leves a moderados, sendo alguns até assintomáticos, podendo se recuperar em
ambiente domiciliar, alguns, particularmente aqueles mais idosos, os portadores
de comorbidades, os imunocomprometidos e os não vacinados, podem desenvolver
quadros graves, necessitando recorrer à internação hospitalar.
Vale reforçar que os indivíduos que receberam a imunização de
reforço têm menor chance de apresentarem complicações graves e morte pela
virose, do que aqueles que não a receberam. Portanto, a implementação
apropriada de diretrizes constitui grande interesse para os prestadores de
cuidados à saúde, para as organizações nacionais, para as associações
profissionais, beneficiando a sociedade, como um todo.
A Comissão de Incorporação de Tecnologia ao Sistema Único de Saúde
(Conitec), órgão ligado ao Ministério da Saúde (MS), aprovou na primeira semana
de dezembro de 2021, mediante relatório, as Diretrizes Brasileiras para
Tratamento Medicamentoso Ambulatorial do Paciente com Covid-19, rejeitando o
uso ambulatorial de medicamentos que compõem o “kit covid”, baseado em
cloroquina/hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina para tratamento
precoce da doença, pois não havia sido constatada evidência que mostrasse
qualquer benefício clínico para tal fim.
Esta era, desde o começo, a posição do Conselho Nacional de Saúde
(CNS), que integra a citada Comissão. Vale lembrar que, em maio de 2020, o CNS
recomendou ao governo a suspensão imediata das Orientações do MS para manuseio
medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19 e, em agosto do
mesmo ano, recomendou à pasta da Saúde medidas para a garantia do abastecimento
de cloroquina e hidroxicloroquina para os pacientes que fazem uso contínuo e
imprescindível destes medicamentos para outros fins não relacionados à
Covid-19.
Em Nota Técnica publicada no Diário Oficial da União de 21 de
janeiro de 2022, assinada pelo chefe da Secretaria de Ciência, Tecnologia,
Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, o MS rejeitou as diretrizes da
Conitec, alegando "incerteza e incipiência do cenário científico diante de
uma doença em grande parte desconhecida".
Estranhamente, na Tabela-1da referida nota, consta que há
demonstração de efetividade e de segurança, em estudos controlados e
randomizados para o uso de hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19, o mesmo
não ocorrendo com as vacinas!
O Colegiado de Professores Titulares da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP) manifestou solidariedade ao Prof. Dr. Carlos
Carvalho, que coordenou um seleto grupo de especialistas, representando diversas
sociedades médicas e universidades e que resultou na elaboração das diretrizes
para o tratamento da Covid-19, aprovada pela Conitec.
Na esteira desta interlocução, várias entidades médicas, como a
Associação Médica Brasileira (AMB), também, têm emitido duros pronunciamentos,
de repúdio à referida portaria do MS. Em carta aberta, em um site de petições
on-line (https://chng.it/snJ8wZVQ), inúmeros pesquisadores, professores e
profissionais de saúde pedem urgência na adoção das normas aprovadas em dois
turnos pela Conitec, que barrariam o "kit covid". "Nos sentimos
perplexos quando lemos a vasta lista de estultices apresentada pela nota
técnica", diz o manifesto.
Fica a esperança que essa decisão seja revista, para evitar
maiores prejuízos à saúde da população brasileira. Finalizo, citando o pastor
estadunidense Martin Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus. É
o silêncio dos bons”.
* Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.